Tenho muitas memórias da minha infância, mas algumas ainda vivem e pulsam fortes dentro de mim. Muitas delas, como essa que te conto agora, se mantêm acordadas pelas possibilidades diárias de repetição dentro da minha própria maternidade.
Sou Camila, filha da Denise e, hoje, mãe da Clara e do Joaquim. Minha mãe sempre trabalhou muito, rompeu padrões sociais daquela época (e quiçá de hoje em dia) escolhendo não abrir mão da sua carreira, do seu sonho, em prol da maternidade. Imagino o quão difícil deve ter sido para ela sustentar essa escolha, dentro e fora de casa. Para mim, como filha única, também não foi fácil. Tenho muitas lembranças dessa ausência, dos momentos de brincadeiras solitárias, assim como de todos os outros em que ela se fazia presente e brincava comigo de boneca. Nessas horas, eu sempre dizia que tinha tempo para ficar com minha “filha” de pano, que passava as manhãs com ela para cuidá-la e que, depois disso, ela saía para trabalhar.
Hoje percebo que criei uma espécie de mecanismo de defesa para me proteger dessa ausência e, ao mesmo tempo, consegui dizer à minha mãe que gostaria muito de ter tido ela mais perto de mim. Imagino o quanto deve ter sido dolorido pra ela ouvir isso de mim por tantas vezes, e penso isso porque, de alguma forma, a experiência se repete por meio da Clara e do Joaquim. Quantas vezes preciso me ausentar da rotina deles para trabalhar na bancada de joias? Cuidar da administração do Ateliê? Resolver problemas da casa? Ir ao mercado? Sentar um pouco e respirar meu cansaço?
De uma maneira ou de outra, a história da minha mãe Denise, da mãe Camila que eu sou, da mãe que você é e milhões de outras mulheres que se propõe a maternar e empreender, ao mesmo tempo, se repete. Ao meu ver, essa é uma questão estrutural, social, feminina, masculina, urgente, que precisa ser enxergada sob a ótica da real importância que tem. Mães não deveriam abandonar suas carreiras por escolherem ter filhos. Muitas delas o fazem porque não têm escolha, isso é fato. Poucas, como eu, têm o privilégio de escolher uma coisa e/ou outra. Mas, ainda assim, não há equilíbrio entre os dois lados, fazendo com que cheguemos rapidamente à famosa sobrecarga física e mental.
Sendo assim, o equilíbrio poderia ser gerado a partir de uma consciência e estrutura sociais que acolhesse as necessidades maternas, sejam elas de trabalhar, descansar ou passar o dia brincando de boneca. Infelizmente não acontece. Seguimos apertadas, dentro de nossas quatro paredes, acreditando que estamos longe de ser as mães que queremos e nos culpando diariamente por isso. Quem sabe, um dia, conseguiremos tirar essa “pauta” das nossas casas e levá-las ao poder público, ao debate social efetivo, à construção das redes de apoio de que precisamos. A maternidade é uma questão social, não é um problema feminino.
Agradeço imensamente à minha mãe, Denise, por tudo o que ela fez por mim e por ela também! Hoje consigo entender melhor suas escolhas, consigo perceber a linha tênue que existe entre reproduzir a experiência dela ou transformá-la a partir da mãe que eu me tornei. Agradeço muitíssimo pelo Cesar, paizão que tenho e sempre tive, que segurou muito a bronca e a ausência que ambos sentíamos da minha mãe. Ele sempre esteve pertinho de mim. Inclusive passamos muitos finais de semana juntos, enquanto minha mãe viajava a trabalho. Agradeço à Clara e ao Joaquim, que me trazem diariamente, além de toneladas de amor, possibilidades de ser uma pessoa e uma mãe cada dia melhor. Ao Gabriel, meu companheiro, que ao meu lado segura lindamente as pontas dessa loucura toda que é maternar e empreender neste país em crise. E a tantas outras mulheres que me permitem seguir minha jornada, sendo rede de apoio e cuidado, tanto comigo quanto com meus pequeninos. À nossa querida Gil, que cuida demais da gente, com tanto amor e carinho que nem sei dizer. À minha sogra, Wanda, que segura muita onda também. Minhas cunhadas, Elisa e Julia, que dão aquela força pra uma saída de casal que a gente tanto preza e precisa, não é minha gente?! E tem muito mais gente bacana que tá junto e que eu poderia citar. Meu muito obrigada!
Desejo que sigamos todas guiadas pelo amor, que ele permaneça vivo e prevaleça diante de todas as dificuldades que encontramos nessa montanha russa chamada maternidade. Que possamos nos permitir ser mães possíveis, mães reais, mães filhas de um sistema social que não nos acolhe, mas que nós mudaremos, porque temos um útero que pulsa e dá vida, a força que move o mundo!
Feliz vida, mãe!
Com amor e resiliência,
Camila Lovisaro